Resumo
A encefalopatia autoimune é um distúrbio neurológico caracterizado por disfunção cerebral associada a processos inflamatórios mediados por autoanticorpos. Recentemente, tem-se discutido a possível relação entre eventos de estresse traumático intenso e a ativação de mecanismos autoimunes no sistema nervoso central, levantando a hipótese de um novo fenótipo neuropsiquiátrico: a encefalopatia autoimune pós-estresse traumático. O objetivo deste estudo é analisar evidências que sustentam a associação entre traumas psicológicos severos e o surgimento de manifestações neuroinflamatórias com base autoimune, discutindo o possível enquadramento desse quadro como um novo subtipo clínico. Trata-se de uma revisão bibliográfica de caráter qualitativo e exploratório, com o objetivo de investigar a relação entre trauma psicológico, alterações neuroimunes, e o surgimento de manifestações psiquiátricas de base autoimune. A seleção de artigos foi realizada nas bases de dados PubMed, Scopus, ScienceDirect e SciELO, priorizando publicações com acesso completo, revisões e estudos originais com relevância para a neuroimunologia e psiquiatria. Os dados analisados sugerem que indivíduos expostos a estresse pós-traumático severo podem apresentar alterações imunológicas, como disfunção da barreira hematoencefálica, ativação de células da micróglia e produção de autoanticorpos contra antígenos neuronais. Tais processos inflamatórios têm sido correlacionados a quadros neuropsiquiátricos atípicos, como crises epilépticas não epilépticas, déficits cognitivos progressivos e sintomas psiquiátricos resistentes a tratamentos convencionais. Relatos de casos e estudos clínicos emergentes propõem um possível continuum entre trauma, desregulação imunológica e encefalopatia funcional, o que poderia justificar a redefinição diagnóstica e terapêutica de alguns casos tradicionalmente rotulados apenas como transtornos psiquiátricos. Logo, a encefalopatia autoimune pós-estresse traumático representa uma hipótese clínica relevante e emergente, que pode alterar paradigmas diagnósticos ao integrar fatores psicossociais e imunológicos. A confirmação desse fenótipo exige maior investigação por meio de estudos longitudinais e ensaios clínicos, visando estratégias terapêuticas precoces e específicas.
Referências
GUILLAUME, A. et al. Trauma-induced autoimmune encephalitis: Exploring neuroimmunological responses after psychological stress. Frontiers in Neurology, v. 14, p. 1228832, 2023.
NAKAMURA, Y. et al. Stress and blood-brain barrier function. Cellular and Molecular Neurobiology, v. 40, n. 1, p. 21–30, 2020.
PRUSTY, B. K. et al. Latent viral infection in neurons: A potential trigger for autoimmunity after trauma. Molecular Neurobiology, v. 58, n. 6, p. 2632–2644, 2021.
VOGRINEC, S. et al. Post-traumatic neuroinflammation and autoimmunity: Emerging links with psychiatric disorders. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, v. 137, p. 104648, 2022.
HAROON, E., et al. Inflammation and neurocircuitry involved in depression: implications for novel therapeutics. Behavioural Immunology, 2012.
YAMAMOTO, A., et al. Inflammatory markers in cerebrospinal fluid and blood in PTSD patients: A systematic review. Journal of Affective Disorders, 2021.
DIEKSTRA, F.P., et al. Autoantibodies in psychiatric disease: current evidence and diagnostic implications. Neuroimmunology Reports, 2019.
DHERMY, G., et al. Autoimmune encephalitis mimicking psychiatric disorders: a review. Current Opinion in Psychiatry, 2020.
MILLER, A.H., & ROULLET, B. Neuroimmune pathways and psychiatric disorders: inflammation as a link between comorbidity and pathophysiology. Translational Psychiatry, 2022.
GUILLAUME, M.P., et al. Psychiatric presentations of autoimmune encephalitis: diagnostic challenges and therapeutic opportunities. Frontiers in Psychiatry, 2023.