Resumo
A Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) é uma encefalopatia espongiforme transmissível, fatal e de rápida progressão, tradicionalmente associada à população adulta e idosa. Entretanto, casos raros em pacientes pediátricos têm levantado preocupações sobre a possibilidade de emergência de fenótipos priônicos em populações mais jovens, seja por predisposição genética, infecção exógena ou mutações de novo. O caráter neurodegenerativo e incurável da doença impõe desafios diagnósticos e terapêuticos, especialmente em faixas etárias atípicas. Este estudo teve como objetivo analisar as evidências disponíveis sobre a Doença de Creutzfeldt-Jakob em crianças, discutindo a plausibilidade de um potencial emergente de príon humano infantil, os mecanismos patogênicos envolvidos, características clínicas, desafios diagnósticos e implicações em saúde pública. Trata-se de uma revisão bibliográfica com abordagem qualitativa e caráter exploratório. A seleção dos estudos foi realizada por meio das bases de dados PubMed, Scopus, ScienceDirect e SciELO, com a escolha de artigos completos, publicados em revistas revisadas por pares, com relevância para as áreas de neurologia, doenças neurodegenerativas, doenças priônicas e saúde pública. O marco temporal compreendeu o período de 2000 a 2020, considerando o artigo mais antigo (Brown et al., 2000) e o mais atual (Aguzzi et al., 2020; Martin et al., 2020). Os dados revelaram a existência de poucos, mas relevantes, casos descritos de DCJ em crianças e adolescentes, geralmente associados à variante vDCJ, relacionada ao consumo de produtos contaminados por encefalopatia espongiforme bovina (BSE). Evidências experimentais em modelos animais sugerem que a barreira de espécie para príons pode ser ultrapassada em determinadas condições genéticas e imunológicas. A sintomatologia em crianças tende a incluir alterações comportamentais precoces, regressão neurológica rápida e sintomas psiquiátricos atípicos, frequentemente confundidos com encefalites autoimunes ou síndromes epilépticas raras. O diagnóstico definitivo depende de biomarcadores como 14-3-3, RT-QuIC e biópsia cerebral, métodos nem sempre acessíveis em contextos pediátricos. Conclui-se que, embora a DCJ pediátrica seja extremamente rara, não pode ser desconsiderada, especialmente diante da globalização alimentar, mutações espontâneas e crescente exposição ambiental. A vigilância epidemiológica e o desenvolvimento de protocolos específicos para investigação de encefalopatias progressivas na infância são fundamentais para o reconhecimento precoce de eventuais fenótipos priônicos emergentes. O entendimento do comportamento da doença em faixas etárias jovens pode trazer insights cruciais sobre a biologia dos príons e seus riscos em longo prazo para a saúde pública.
Referências
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